Bento Teixeira e a Prosopopeia

[Artigo escrito por Eneida Beraldi Ribeiro historiadora e pesquisadora da Universidade Federal de Uberlândia]

Bento Teixeira (1560-1600), primeiro poeta brasileiro a ter uma obra publicada foi descoberto através das Confissões e Denunciações da Bahia e Pernambuco, publicados por Paulo Prado entre 1925 e 1929.  Por muito tempo acreditou-se na existência de um Bento Teixeira Pinto que seria autor da Prosopopeia e de uma outra obra publicada com ela no ano de 1601, em Lisboa: Naufrágio Que passou Jorge de Albuquerque Coelho e dos Diálogos das Grandezas do Brasil.

Através desses documentos, surgiu um Bento Teixeira cristão novo, natural da cidade do Porto, mas residente no Brasil desde tenra idade

Prosopopea, Bento Teixeira

e réu da Inquisição de Lisboa a partir de 1595. No Brasil, foi estudante das escolas da Companhia de Jesus nas quais terminou os cursos de Filosofia e Teologia. Tornou-se professor particular e em suas escolas recebia alunos das famílias abastadas das regiões onde morou (Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia, Ilhéus, Vila de Cosme e Damião e Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco) (Processo 5206). Ao mesmo tempo em que ministrava aulas, acompanhava o comércio, herdado do pai, com um irmão mais moço. Tinha gênio forte e conquistava amizades duradouras, mas também entrava em conflitos, às vezes corporais, com quem se desentendia (Ribeiro, 2017:88-89). Casado com uma mulher cristã velha (sem ascendentes judeus em sua árvore genealógica), foi infeliz nesse casamento. Traído constantemente, matou a esposa. No entanto, Bento Teixeira não foi preso por matar a mulher, mas por crimes julgados pelo Santo Ofício português em suas ações no Brasil (Ribeiro, 2017:96-97).

O poeta foi preso em Pernambuco no ano de 1595 e levado a Lisboa. O seu processo traz textos anexos porque os Inquisidores lhe deram a oportunidade de expressar o seu suposto arrependimento em textos de próprio punho que nos chama a atenção tanto  pela  quantidade quanto pela complexidade. Nestes escritos, transparecem algumas características do cotidiano colonial brasileiro.  Bento Teixeira reelaborou, por meio da memória, passagens da história e trouxe à tona aspectos de uma sociedade, revelando as tensões entre cristãos velhos e novos e as práticas judaicas que ainda estavam vivas no final do século XVI, apesar das proibições impostas pelos reis ibéricos. (Ribeiro, 2017:16).

Além de descrever suas relações com homens e mulheres no Brasil, Bento Teixeira relatou conversas com outros presos da Inquisição e descreveu-nos um pouco do que seria a vida no cárcere. Seus escritos nos remetem às celas, deixando entrever uma intensa comunicação, feita através de códigos que possibilitavam aos réus conversarem, enviarem mensagens para dentro e para fora da prisão e até planejarem casamentos (Ribeiro, 2017:116-117).

Bento Teixeira saiu no Auto de Fé no ano de 1599. Foi uma cerimônia interna, já que a peste que grassava Lisboa, impediu o espetáculo público. Sua pena foi de cárcere perpétuo. Para a Inquisição esse termo significava que o réu teria que morar em um bairro determinado pelos Inquisidores durante o resto de sua vida e deveria usar um manto (sambenito), o hábito penitencial, que o distinguia como sentenciado pelo Santo Ofício. Não temos registro de sua vida fora da prisão após o auto de fé. Bento Teixeira voltou doente e sem meios de curar-se. Procurou abrigo nos mesmos cárceres onde adquirira a doença. Por fim, a morte no ano de 1600. O médico do Santo Ofício escreveu na página rosto de seu processo: “É morto Bento Teixeira”. Observara antes que ele fora encontrado na cela cuspindo sangue e que necessitava de cuidados (Processo 5206). Estes, se houve, não foram suficientes.

Escritos de Bento Teixeira

No ano de 1601, é editado em Lisboa, o poema de sua autoria: Prosopopeia junto ao Naufrágio Que passou Jorge de Albuquerque Coelho de autoria de Afonso Luís Piloto e Antonio de Castro (Souza, 1972: 46). Diálogos das Grandezas do Brasil foi escrito por  Ambrósio Fernandes Brandão. Outros poemas e sonetos à Virgem que Bento Teixeira afirmou ter entregue ao Inquisidor, não foram anexados ao Processo e deles não temos ideia de onde possam estar, se resistiram ao tempo.

Prosopopeia, escrita em louvor a Jorge de Albuquerque, Governador Geral de Pernambuco, relata em tom épico a natureza privilegiada da terra que este administrou temporariamente, a luta contra os índios, o naufrágio pelo qual passou, quando voltava a Portugal, e a sua heroica resistência ao lado de D. Sebastião, durante a batalha de Alcácer Quibir, sua prisão e posterior resgate (Sousa, 1972: 22-23). Considerada como documento histórico por alguns analistas a obra revela o homem Bento Teixeira e a vida pernambucana do final do século XVI (Siqueira,1972:418). Na Prosopopeia, transparecem características judaicas na ideia de um Deus único e criador da vida, as diásporas, heroísmo dos antepassados, resistência, lealdade, sacrifício para se alcançar o direito à Terra Prometida e Sebastianismo.

Bento Teixeira com esse texto inaugura uma espécie de Barroco como crítica de oposição na poesia colonial brasileira (Costigan, 1997: 36). Prosopopeia é o texto de um homem dividido e angustiado com sua realidade (Pereira, 1998:. 18).  Na Prosopopeia, o decurso das ações pode se assemelhar mais do que aos Lusíadas ao das ações da Eneida: saída da pátria, derrota no mar, guerra contra outra nação. Porém seu sentido é descendente. Não dispondo de ações épicas, Prosopopeia engendra conceitos épicos, que como previsível, acompanha os Lusíadas (Muhama, 2005:).

 

Documentos Manuscritos

Processo Inquisitorial contra o cristão novo Bento Teixeira de número 5206. Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Lisboa.

 

Referências 

ALVES, Luís Roberto, Confissão, Poesia, Inquisição. Editora Ática, São Paulo, 1983.

COSTIGAN, Lúcia Helena; Intelectuais Pós Modernos e Letrados Barrocos (Criptojudeus) Globalização, Meio ambiente e Crítica de Oposição. In Revista do Instituto de Filosofia, Artes e Cultura. Universidade Federal de Ouro Preto, número 4, Dezembro de 1997.

MUHAMA, Adma. O Prosopopéia de Bento Teixeira: epopéia de derrotas. in Literatura Portuguesa Aquém –Mar. Programa de Pós Graduação em Literatura Portuguesa. Editora Komedi, 2005.

PEREIRA, Kênia Maria de Almeida. A Poética da Resistência em Bento Teixeira e Antonio José da Silva, o Judeu. Editora Anna Blume. São Paulo, 1998.

RIBEIRO, Eneida Beraldi. Bento Teixeira e a Inquisição. Um Testemunho do Pensamento colonial. Maayanot, São Paulo, 2017.

SIQUEIRA, Sonia “O Cristão Novo Bento Teixeira: Cripto Judaísmo no Brasil Colônia”. Revista de História, São Paulo, volume XLIV, ano 90, abril/junho p. 395-467.

SOUSA, José Galante de, Em torno do poeta Bento Teixeira, IEB, São Paulo, 1972.

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