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Entre Manhattan e Rio de Janeiro: O caso do periódico O Novo Mundo (1870-1879)
Alessandra Carneiro
Doutora em Letras pela USP
Um veículo de informação e cultura que promova o american way of life no Brasil não soa incomum no mundo globalizado do século XXI, mas não deixa de despertar interesse e curiosidade quando se trata do século retrasado. O Novo Mundo: Periodico Illustrado do Progresso da Edade foi publicado pela primeira vez em 24 de outubro de 1870 e desde 2012 pode ser consultado na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. No entanto, manusear um original do periódico é um privilégio que pude ter na Oliveira Lima Library, em 2013, durante meu estágio de doutorado sanduíche financiado pela Capes/Fulbright, nos Estados Unidos. O tamanho grande, a beleza das imagens e o bom estado de conservação de O Novo Mundo impressionam e, sem dúvida, tornam o trabalho com ele muito mais prazeroso.
Editado em língua portuguesa entre 1870 e 1879, o jornal era impresso em Manhattan e enviado mensalmente aos seus assinantes no Rio de Janeiro. Inicialmente, o fluminense José Carlos Rodrigues mantinha o periódico sozinho, ocupando-se de todas as funções necessárias para a produção e circulação, mas, posteriormente, importantes intelectuais brasileiros contribuíram para a folha, como o poeta maranhense Sousândrade. As matérias de O Novo Mundo (ONM) eram bastante diversificadas, visto que os seus 108 volumes publicados abordam, por exemplo, literatura, política, protestantismo, economia, ciências etc. Era declarado que o escopo do periódico não era publicar notícias atuais, mas discutir os princípios, a política e o progresso da república estadunidense. Assim, o seu intuito era um só: oferecer ao Brasil um exemplo de nação próspera na América que pudesse lhe servir de exemplo de modernização.
Vale ressaltar que nessa época o Brasil ainda era uma monarquia escravocrata e essencialmente agrária, ao passo que os Estados Unidos – uma república livre e democrática após a Guerra de Secessão (1861-1865) – atravessavam um período marcado pela expansão econômica, além da acelerada urbanização, industrialização e inovação tecnológica. Desse modo, o periódico incentivava a ida de brasileiros aos EUA para conhecer o seu modelo de prosperidade in loco. Nesse sentido, ONM publicava assiduamente propaganda das oportunidades de formação acadêmica existentes nos EUA, tendo Rodrigues, inclusive, assumido a tarefa de guiar e aconselhar estudantes brasileiros recém chegados em Nova York, muitos dos quais se dirigiam à Universidade de Cornell para estudar Engenharia.
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Foi também possivelmente incentivado por Rodrigues que Sousândrade mudou para NY em 1871 levando uma de suas filhas para estudar (CARNEIRO, 2016). O poeta contribuiu com algumas publicações assinadas no periódico e manteve anonimamente a coluna Notas Literárias. Ele foi nomeado vice-presidente de ONM em 1875, permanecendo no cargo até 1879. Sousândrade corroborou uma das constantes do jornal que era criticar abertamente o Império brasileiro por meio de publicações concernentes abolição da escravidão. Por exemplo, em novembro de 1871 foi publicada uma correspondência do poeta intitulada ironicamente A emancipação do Imperador, que refletia sobre a divulgação distorcida da promulgação da Lei do Ventre Livre de 28 de setembro daquele mesmo ano. Uma notícia publicada no jornal Herald de NY atribuía a Dom Pedro II o mérito pelo protagonismo ruma à abolição da escravidão, ao que Sousândrade reagiu ferozmente argumentando que não era iniciativa do Imperador, mas um clamor do povo que ele prudentemente ouviu e que inclusive ameaçava a monarquia.
No mesmo tom crítico, na edição de março de 1872 saiu o artigo O Estado dos índios no qual Sousândrade condenava o descaso do Império brasileiro pela situação degradante em que viviam os nativos das comunidades ribeirinhas do Amazonas. O argumento do poeta nesse artigo era que o governo deveria investir mais em missionários e educadores capacitados para atuarem junto aos autóctones porque, se bem preparados, eles seriam trabalhadores livres mais adequados à substituição do trabalho escravo, na iminência do seu fim. Para endossar sua opinião sobre a colonização do sertão brasileiro utilizando os próprios nativos, Sousândrade cita no mesmo artigo o naturalista amigo de Rodrigues Charles Frederick Hartt, professor na Universidade de Cornell, que teria voltado do Amazonas há pouco e concluído que o índio seria melhor elemento de população que os imigrantes europeus, pois seriam mais inteligentes que, por exemplo, os irlandeses que emigravam para os
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EUA.
Além de Sousândrade, outros homens de letras importantes contribuíram para a revista de Rodrigues, como o engenheiro André Rebouças, Salvador de Mendonça (nomeado cônsul geral do Brasil em NY em 1876) e o ilustre Machado de Assis. No caso deste último, houve uma única publicação feita sob encomenda de Rodrigues no volume de março de 1873: Notícia da atual literatura brasileira – Instinto de Nacionalidade; mas que causou impacto pelo seu posicionamento crítico ao romantismo brasileiro e à dependência ao referencial cultural europeu ainda em voga no Brasil. Considerando o afinamento de Rodrigues com as ideias aventadas por Machado, já se argumentou que a importância de ONM para a literatura brasileira se daria por constituir um suporte relevante da transição entre as tendências literárias românticas para a realista-naturalista/parnasiana no Brasil. (ASCIUTTI, 2010).
Portanto, O Novo Mundo congregou brasileiros empenhados em assimilar o que consideravam o caminho que levaria o Brasil retrógrado à modernidade. Esses homens de letras não eram, entretanto, passivos à ideia de americanização da nação, pois antropofagicamente (salvaguardado o anacronismo do termo) buscavam no estrangeiro conhecimentos e ações que pudessem beneficiar o país de modo a torná-lo uma potência socioeconômica na América do Sul que fizesse par com os Estados Unidos. No século XIX, um projeto geopolítico desse calibre para a América configurava-se um contraponto inédito ao poder europeu, por isso a importância de ONM.
Referências
CARNEIRO, Alessandra da Silva. O Guesa em New York: Republicanismo e Americanismo em Sousândrade. 2016. 214 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
ASCIUTTI, Mônica Maria Rinaldi. Um lugar para o periódico O Novo Mundo (Nova York,1870-1879). Dissertação (Mestrado em Letras Clássicas e Vernáculas). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010.